segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Irão: Fariba, blogadora presa...


Esta jornalista, com um blog muito seguido por jovens iranianos, apesar da filtragem e da censura na internet, espera pelo seu julgamento na prisão de Teerão.

A mãos agarradas ao volante do seu pequeno Pride (Carro de fabricação coerana), com o lenço de rigor, Fariba Pajooh nunca contava a suas horas, nem os kilometros percorridos. No coração do labirinto minado da República islâmica, ela slalomava da manhã à noite entre as proibições. “A minha pena, é o meu tóteme. É o que tenho de mais suave entre as mãos” escrevia ela, este verão, no seu blog, baptizado “Depois da chuva”, alguns dias depois da reeleição contestada de Ahmadinejad, o 12 de Junho, elemento que deu início aos protestos sem precedentes na história da República islãmica. Apesar da censura e das filtragens reforçadas da internet, ela ousou evocar as violações de jovens manifestantes ou o fecho imposto do sindicato dos jornalistas. Hoje, a jovem jornalista paga o preço forte. Presa há quase dois meses na tristemente célebre prisão de Eyine, está condanada ao silêncio. Na sua célula de muros espessos, espera pelo seu julgamento, do qual desconheçe os motivos.

O seu caso não é, infelizmente, um caso isolado. Presos no início das constestações, centanas de detidos (dos quais 23 jornalistas), ainda fazem filas nos corredores congestionados da justiça iraneana que os acusa de querer fomentar uma “revolução de veludo”. Alguns até tiveram que se livrar, em pijama azul, ao exercicio ingrato das “confissões” forçadas frente às camaras da televisão iraneana em processos colectivos. Entre eles, três jovens homens acabaram de ser condenados à morte. Têm a possibilidade de contestar a decisão, mas a sentença demonstra o terror que reina actualmente em Teerão. Excepto personalidades que foram libertadas recentemente, como Saeed Hajarian, Bijin Khadjepour, a maior parte dos prisioneiros continuam à espera da sentença. Cúmulo do absurdo para Fariba : inquietada depois dos outros, ainda nem passou à frente do juiz. “Hoje ainda não se sabe por que é que ela foi detida”, diz a sua mãe preocupada, Farideh Pajoon.

São 19 horas, este 28 de Agosto, quando três homens vestidos à civil, um mandato de captura nas mãos, fazem irrupção na casa dos pais da jornalista. Depois de ter parado uns dias (amigos aconcelharam-na, de deixar a sua pena no bolso durante uns tempos), Fariba acaba de regressar a Teerão encontra-se só em casa. “Quando cheguei, eles estavam na sala, prontos a embarcar a minha filha. Diziam que tinham que a levar com eles, mas que seria rapidamente libertada”, recorda-se a mãe de regresso de umas pequenas compras. Os três convidados autoproclamados começam então uma busca miniociosa da casa. Fazem inspecção das parteleiras, abrem as cómodas, folheiam pequenos cadernos de apontamentos, apreendem o computador. “Você votou em Moussavi ?” pergunta um deles, forçando Fariba a segui-los no carro de marca Xantia, parqueado em frente à porta. Antes de descer as escadas pousaram os olhos num poster do principal rival de Ahmadinejad nas eleições. “Sim, é um crime ?”, responde furiosa da jovem mulher. Na familia, ninguém esconde: pais, filhos – três, entre eles Fariba, à mais velha – votaram pelo candidato da mudança. Precedentemente aprovado pelo poderoso Conselho dos Guardiães, este ex-ministro nada tem de outsider. É um produto do sistema. Mas as suas aspirações reformistas e a sua popularidade crescente, sobretudo depois dos resultados de umas eleições comparadas a uma fraude eleitoral, fizeram rapidamente dele um verdadeiro inimigo aos olhos do regime. Um homem a abater. Não podendo desfazer-se dele, os ultras atacam-se aos seus adeptos. Objectivo : parar esta “onda verde” – cor da oposição – e descreditar a dissidência. “Fariba é vítima desta engrenagem”, confia um dos seus colegas.

Dividida entre Islão e modernidade

No tribunal revolucionário, onde os seus pais multiplicam as idas e voltas desesperados, os piores boatos correm sobre a filha : espionágem, tentativa de derrubamento do regime, relações ilícitas com estrangeiros. “É o próprio dos jornalistas de estar em contacto com outras pessoas”, constata Nehmat Ahmadi, um dos seus advogados, que ainda não consegui um direito de visita da sua cliente. Fariba não tem nada de uma rebelde. Mulher e reporter num país pouco disposto à liberalização de imprensa e do “segundo” sexo, ela apenas tem a má sorte de cumular essas desvantagens. E de tentar superá-los. Com os seus 30 anos – idade da revolução islãmica – ela é dos que correm atrás da informação como se corre atrás de um amor impossível. Com fuga e paixão. Sem retenção. Uma questão de geração : dividida entre islão e modernidade, os jovens da sua idade são verdadeiros “experts” no que diz respeito em contornar as regras em vigor, porque simplesmente cresceram com elas. “Em Irão, para ser jornalista, é preciso ser louco ou apaixonado”, confiou Fariba quando estava um dia a investigar sobre os suicidios das jovens mulheres por deglutição de cimento – um sujeito tabu que ela tinha ousado quebrar.

Longe dela, no entanto, a vontade de denigrir o seu país e só mostrar a parte mais sombra. Cada vez que pode, não deixa de ter orgulho em relembrar que as iraneanas representam 60 % dos estudantes na universidade, que dirigem empresas e conduzem taxis. Nada a ver com o Afganistão ou a Arábia Saudita. Durantes os anos passados, ela também se tinha debruçado sobre as sequelas da guerra do Irão-Iraque. Pequena, tinha crescido com o barulho das bombas. Viu o seu pai, graduado da tropa iraneana, voltou enfermo da guerra. Atingido por diversos ataques ao gaz orquestrados por Saddam Hussein, sofre hoje da doença de Parkinson. “Esta mesma República islãmica, pela qual o meu marido se sacrificou, está a asfixiar os seus próprios filhos”, deplora hoje a sua mãe, antes de confessar que teria preferido que sua filha fosse engenheira.

O seu percurso professional é à imagem das evoluções recentes do Irão : em altos e baixos. Num país onde a político e o jornalismo estão intimamente ligados – com ausencia de partidos, a emprensa fez-se o porta voz da oposição – Fariba fez a suas primeiras manifestações ao mesmo tempo que escreveu os seus primeiros artigos. Foi em 1999, dois anos depois das eleições surpresa do presidente reformista Mohammad Khatami, plebiscitado pelos jovens e a mulheres – que deu lugar aos primeiros grandes motins da República islãmica. E a repressão que se conhece. Fariba muda então de jornal como de camisa, consoante os encerramentos impostos. Depois da primeira eleição do ultraconservador Ahmadinejad, em 2005, a maio parte dos seus amigos exilam-se. Alma de Patriota, decidiu ficar. O seu blog, lançado em 2006, acabou por ser o seu primeiro refúgio. “Não tenho nenhum meio de communicação. Apenas as minhas lágrimas e os meus suspiros », tinha ela escrito antes de ser detida. Há uns dias, os seus pais poderem enfim visitá-la. “Ela tem um frigorífico e uma televisão. Tenta tranquilizar-nos. Mas eu bem vejo que ela emagreceu. O mais doloroso, é esta espera que não acaba, esta angustia de não saber o que a justiça lhe reserva”, suspira a sua mãe.

Fonte: Le Figaro

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